Até hoje ainda vêm à memória as lembranças das tias Catarina, Josefa e Suzana naquela velha cozinha cheirando a biscoito de polvilho. Magrinhas, vestidos sóbrios com comprimento na canela e manga três quartos, sapatos de tecido, cabelos longos e grisalhos presos num coque, eram a tradução da simplicidade e da retidão. Solteiras, recatadas, moravam juntas numa casa de paredes brancas e janelas azuis, com quintal amplo onde ganhavam o sustento fazendo polvilho e farinha de milho.
Lembro-me da disposição da cozinha com fogão a lenha perto da janela, chaleira sempre sobre a chapa, uma caixa de fósforos no suporte da parede em formato de mulher de avental, cujo bolso carregava o fogo.
No armário com cristaleira, ficavam as xícaras e outras peças de porcelana estampadas que adorava contemplar. As panelas e outras vasilhas de alumínio brilhavam como espelho penduradas num suporte sobre a pia.
Uma mesa comprida ficava próxima à parede, com um banco e cadeiras, ali era servido o café com biscoitos. Dispostas na parede oposta ao fogão mais algumas cadeiras serviam para os hospedes, que sempre entravam pela porta da cozinha, fossem pessoas da família ou não. A sala de visitas com sofá nunca era usada. Lembro-me de ter me sentado ali apenas no velório das duas tias mais velhas.
Minha mãe tinha admiração e respeito pelas meias irmãs mais velhas, fruto do primeiro casamento de sua mãe, que partiu quando ela ainda tinha 33 anos. Quando perderam a mãe, as três irmãs foram viver nessa casa e passaram a representar um pouco do lar de vó. Isso porque nunca se casaram e suas referências familiares eram os irmãos com os sobrinhos e, mais tarde, os sobrinhos-netos.
Não entendo por que nenhuma delas tenha se casado, acredito que na época de sua juventude – no início do século 20 – não faltasse empenho dos pais em arranjarem marido para as filhas. Mas, no caso delas, que o pai morreu quando ainda eram bem jovens, talvez tenha ficado difícil. E minha avó, então, foi em busca de um novo casamento para si, do qual nasceram minha mãe e seus cinco irmãos, três homens e duas mulheres.
Durante anos e anos, as três irmãs viveram bem naquela simplicidade, recebendo as visitas dos parentes, sem nunca sair de casa, apoiando sempre a meia irmã caçula, que morava na mesma rua e tinha saúde frágil. Elas, ao contrário, pareciam ter saúde de ferro, apesar da aparência franzina. Mas os anos, como sabemos, são implacáveis e as duas mais velhas caíram doentes, até que se foram já beirando os 90 anos de idade.
A tia Suzana, a mais nova delas, viveu ainda bastante, tendo passado uma parte do tempo com minha mãe e depois com outro irmão, até que terminou indo morar num asilo, falecendo aos 100 anos. A coincidência dessa história da tia Suzana é que ela nasceu no mesmo 14 de setembro como eu. Agora que os anos começam a pesar, penso na tia Suzana e se, como ela, lá vou chegar: ao centenário de vida!
Campinas, 29/01/2021