Chego tímida para cumprimentá-lo quase à distância, mas ele se levanta e me estende a mão olhando nos olhos, como faz com todos, observo depois. Quando digo meu nome, pergunta de onde saiu. Já vi Ivone, Ione… e emenda: Ivone (Yvonne) foi uma paixão, ela não sabia, 50 anos depois a descubro em Portugal e desde então sempre nos encontramos quando lá estou. Começo a imaginar uma linda história romântica, um reencontro amoroso meio século corrido. Antes de concluir o raciocínio, ele completa: tornou-se uma grande amiga, inclusive da minha mulher. Sorrio meio envergonhada por tais pensamentos.
Sento-me a seu lado e começo a tirar lições de alguém que ensina em tudo que fala. Conto um pouco da minha escrita, reclamo da falta de tempo, o trabalho me suga, e ele dá seu próprio exemplo: quando trabalhava como jornalista como você, levantava às 5 horas da manhã e escrevia até as 10 antes de ir para a redação, porque lá com as urgências das pautas e dos fechamentos não teria mais tempo.
Não se esconda atrás da desculpa de falta de tempo, sente-se e escreva, olhe a vida. Sabe uma dificuldade grande que tenho é de encontrar nomes para os personagens, ele confidencia. Sim, eu posso imaginar. Levanta-se, tira da pasta um caderno pequeno de capa preta e folhas brancas, e fala: é por isso que sempre ando com um caderninho desses, é para anotar o que escuto por aí. Conta-me sobre como surgiu o nome da personagem de seu último romance “Deus, o que quer de nós?”. Foi lá em Minas, quando ouvi o nome Neluce, anotei na hora, quer nome melhor que esse?
A conversa continua, interrompida às vezes por alguém que chega, um autor para mostrar um livro, fazer uma foto ou pedir um autógrafo. Penso: como pode ter 49 livros publicados! Agora sei, das 5h às 10h… Recordo-me de uma de suas obras marcantes “Veia bailarina”, publicada em 1997, em que ele aborda um drama pessoal, a descoberta de um aneurisma cerebral do diagnóstico à cirurgia bem-sucedida (graças a Deus).
Sou um homem de sorte, vai narrando, era para ter morrido aos 60 anos com este aneurisma prestes a estourar. Segundo meu médico, me salvei por 3 segundos, e relembra uma história recente. Foi lá em Aiuruoca, onde tenho uma casa, que tudo começou, acordei e o olho direito não abria, passei pelo hospital, fui benzido por uma senhora. De volta a São Paulo, após um check-up, o médico me falou que levaria 4 meses para meu olho abrir. Em um mês estava bom, para mim foi a benzedeira.
Ao ouvir esse relato, tenho a deixa para dizer de um conto de minha autoria sobre uma benzedeira, gostaria de sua opinião crítica: me mande por e-mail, mas explica bem para eu abrir senão nem vejo, porque recebo mais de uns cem e-mails por dia. Posso imaginar. Claro, eu digo: o título do e-mail será: Conto da Ilone, não da Ivone.
Cada história me deixa mais admirada. O homem de sobrancelhas marcantes, que media 1,72 m de altura, sonhava em ter 1,85 m e hoje está com 1,68 m, se agiganta diante de mim. Aos 86 anos, escreve com a paixão da juventude, sua obra de número 49 saiu recentemente. Pergunto se ainda escreve muito: Todos os dias. E que continue assim, Ignácio de Loyola Brandão, diariamente a olhar a vida e a nos contar grandes histórias. Imortal.
Campinas, 23/03/23