Acordo cedo e me preparo para inverter o papel de uma vida toda. Estou do lado de lá, entrevistada por um monte de meninos e meninas curiosos em saber como é ser escritora. Título exagerado, penso, tenho passado anos e décadas a escrever sobre os outros e para os outros, enquanto prosa e poesia andam caladas. Respondo como jornalista, mostro livros escritos em outras épocas, não literários, mas não se importam, hoje sou a personagem.
Conto do tempo de infância, das leituras na biblioteca de paredes caiadas da pequena escola do sítio, hoje em ruínas, onde eu e toda uma geração fomos alfabetizados. Depois, na adolescência, os romances que me prendiam ao quarto, devorando aventuras que lá fora ainda não tinha coragem e nem idade para viver.
As crianças continuam a me questionar e sugiro que leiam mais e sempre, sempre e mais. Não há segredo, por trás de uma boa escrita, há um excelente leitor. Ler é nosso ofício. Recordo-me agora da lição de um professor: divida seu tempo entre ler e escrever. Leia quatro horas e escreva outras duas, pelo menos. Se for para deixar de fazer algo, abandone as aulas, não a escrita e a leitura.
Sigo assim, na mesa de cabeceira, revezo Clarice Lispector, Valter Hugo Mãe e Elena Ferrante. Essa autora italiana me seduz com seu texto aparentemente simples, mas capaz de me levar a profundas viagens dentro de mim mesma. E as outras duas horas de escrita literária, sem tempo…
Ao final de todas as perguntas – uma lousa inteira – sou eu a questioná-los. O que querem ser quando crescer? Respostas variadas – motorista de ônibus, professora, desenhista, jornalista, escritor, médico, professor, engenheiro. Meninos e meninas amáveis, sonhadores, na escola, lugar onde se vai para aprender, brincar e ser feliz. Nada mais.
À professora Ivone e à diretora Heloise, só posso agradecer pelo convite, uma honra imensa dividir esse tempo com estes alunos e alunas do terceiro ano, alguns com 7 outros com 8 anos de idade. O futuro.
Campinas, 07/04/23