Na rodovia cheia de curvas, subidas e descidas com belas paisagens, penso sobre a rotina desta viagem há tantos anos. Sempre no inverno, muitas vezes no mês de julho, saímos de casa cedinho com alguns garrafões vazios – daqueles usados para envazar vinho – e voltamos no fim do dia com eles cheios.
Quando deixamos a estrada principal e adentramos na estreita e sinuosa via em direção ao nosso destino, a paisagem é exuberante, com morros dos dois lados, entradas de pequenas propriedades, plantações de chuchu, uva, cana, folhagens nas beiras, gados esparsos nas pastagens, e curvas, muitas curvas.
Alguns quilômetros adiante, chegamos à entrada do sítio Povia. O portão aberto indica que já somos esperados. Entramos e estacionamos ao lado do barracão da fábrica de paletes. Admiro aquela madeira bem aparada usada por muitas empresas da região para armazenamento e transporte de seus produtos. Do outro lado, fica a pequena e antiga construção de paredes largas e teto baixo que guarda enfileirados os barris de carvalho e amendoim, onde envelhece o ouro líquido da proprietária.
Lá do alto da casa, dona Susana acena e nos chama para entrar. Somos recebidos com gentileza e uma conversa agradável, como amigos distantes que quando se encontram é como se tivessem se visto ontem. Coloca-nos a par dos acontecimentos da região, normalmente épocas de quermesses, de festas e festivais e de suas apresentações com o grupo de viola. Conta dos filhos e netos, da última viagem de lazer ou da estada na Alemanha, onde mora uma das filhas com genro e netos. Vez ou outra, encontramos algum dos netos, os daqui, lá presentes.
Enquanto os garrafões vão se enchendo e degustamos a bebida, que de Modesta só tem o nome, continuamos a ouvir os relatos de dona Susana e contamos algo da família, de trabalho ou viagem. Ela sempre se recorda de nossa primeira visita, quando esquecemos um babador da filha mais velha, devolvido para nós no ano seguinte. Fica feliz em saber que aquela bebezinha, agora moça, cursa o segundo ano de medicina.
A conversa se prolonga e já estamos quase de saída quando perguntamos sobre a movimentação na igrejinha ao lado do sítio. “São os romeiros que vêm de Limeira e fazem uma parada aqui para almoçar, descansar, rezar e seguir viagem rumo à Aparecida. Ainda quero participar dessa romaria”, declara, lembrando que tem 69 anos e se sente jovem. Tão jovem que recentemente levou os netos para uma aventura nas corredeiras do Rio do Peixe, em Socorro. Desceu no barco com eles e nunca deu tantas risadas na vida como naquele dia. Fiquei a imaginar dona Suzana remando um bote inflável nas quedas d´água e concluí que nem mesmo se virasse um garrafão daqueles faria algo assim.
Garrafões cheios, é hora de carregar o carro. Ajeitamos as vasilhas com cuidado para evitar acidente nas curvas da volta e antes de partirmos fazemos uma foto para registrar o momento. Nos despedimos de dona Susana e pegamos nosso rumo, já saudosos de sua alegria e hospitalidade. Ano que vem voltamos. Ou antes, porque um dos garrafões chegou vazio.
Campinas, 25/07/23